Uma conversa mental

- Oi.
- Oi.
- Você está...?
- Estou...?
- Você está bem. Está bem.
- Bem ou melhor?
- Melhor. Mais bonita, mais alegre. Sorridente. Emagreceu também. Ganhou alguns músculos. Está usando batom mais escuro. Acho que você está se transformando em mulher. Está bem, sim.
- Ah... E você, está como?
- Bem, tô bem. Não dá pra ver? Tô bem. Eu saio, bebo, brinco, beijo uma garota hoje, outra amanhã, flerto com a minha ex, com algumas alunas. Tô bem. Você não vê? É óbvio. Eu tô bem.
- Que bom que você tá bem. Eu reconheço que esperava um pouco mais de humildade, tristeza e simpatia em você. Mas é bom saber que você está assim tão bem, sabe? Saindo, beijando, flertando, se divertindo.
- É o que eu estou fazendo mesmo.
- Você está diferente. É engraçado.
- Tô? Como? Tô melhor?
- Não, tá meio mascarado. Querendo ser totalmente diferente do que era quando estávamos juntos. Sabe? Uma volta de 180º.
- Não, eu sempre fui assim. Impressão tua.
- Vai ver foi. Desculpa, eu me enganei.
- Você, tá como?
- Tô bem.
- Percebi.
- É?
- É óbvio. Você não faz questão de esconder.
- Diferente de você.
- Como?
- Você faz muita questão de mostrar, o que é diferente de não esconder. Fica tranqüilo, todo mundo já sabe que você está ótimo, brincando e sorridente. Todo mundo sabe que nada na sua vida está faltando. Excelente trabalho.
- Que bom.
- Pois é.
- Vai pra onde?
- Sair.
- Pra onde?
- Sair. Que importa? Você não vai vir nem vai ficar sabendo o que eu fiz. Não importa. E também não é uma informação que deva fazer parte do seu cotidiano.
- Verdade, foi só um lapso de simpatia.
- Cuidado, logo vão achar que você quer ser meu amigo. Aliás, se alguém nos vir conversando, toda essa sua história já era. Sabe? Esse lance de nem querer ser meu amigo, de me esnobar , de desdenahr as uvas verdes pelas coisas, já que pela frente você não tem coragem.
- Você está sendo sarcástica?
- Sim, bastante.
- Você também mudou.
- Mudei?
- Você costumava evitar o conflito, tentar apaziguar as situações. Tentar amenizar as coisas.
- Deveria?
- Talvez.
- Você, aí, todo cheio de cólera, indignação e eu tentando apaziguar? Onde é que fica o meu direito de ficar magoada, de estar chateada com toda a sua criancice dissecada na minha frente?
- Eu não estou com raiva nem nada disso. Só não quero falar com você. Não tenho vontade de conversar com você.
- Ah, se você não tivesse mencionado...
- Será que você pode parar de tentar arranjar encrenca?
- Eu não estou tentando arranjar encrenca. Só não vou me poupar de dizer nada que eu queira dizer. Não por você.
- Notei.
- Você achava que eu ia ouvir você e não ia falar nada? Com toda a certeza, um parafuso caiu da sua cabeça. Seja coerente, por Deus.
- Tudo bem, você também me surpreendeu.
- Foi?
- Sim. Você superou completamente, não foi?
- E qual é a utilidade dessa afirmação?
- Não achei que você tivesse que ficar por aí, rindo, feliz, com seus amigos novos, de decote e bermuda justa, com esse batom vermelho, mostrando pra todo mundo o quanto você é feliz.
- Pra quem nem olha pra minha cara quando eu passo, você anda bem informado sobre as minhas roupas.
- Eu não ignoro você. Só não conversamos.
- Que mentira absurda.
- Como?
- Você não só não me olha, como não me cumprimenta, é incapaz de ser diplomático o suficiente pra tornar esse convívio forçado ao menos suportável. Deixe, só por cinco minutos, de ser hipócrita.
- Olha quem fala. Vive dizendo que não se importa, mas está aí, se doendo por que eu não converso com você.
- Sou honesta o suficiente pra admitir que me atinge. Atinge saber que você quer me magoar. E minha curiosidade quase me mata de tanta vontade que tenho de saber o que se passa dentro da sua cabeça, saber como você realmente está, debaixo da carcaça.
- Você não sabe?
- Pensei, por um momento que você pudesse estar triste. E que quisesse conversar. Que desejasse se abrir um pouco.
- Tô bem, não preciso.
- Tá certo.
- E se precisasse, não ia chamar você.
- Imaginei. Mas acho válido perguntar.
- A boa samaritana sempre. Você não cansa de fazer o papel de boazinha?
- Não, não canso. Você não cansa de fazer o papel do menino de doze anos que ignora a ex-namoradinha do jardim de infância?
- Eu não faço esse papel.
- Você está sendo o rapaz maduro e adulto que não quer conversar, olhar ou admitir que existe uma pessoa que se relacionou com você, a quem você vê todos os dias, durante horas. Parabéns, muito sensato e admirável.
- Só a sua conduta é correta?
- Eu tenho uma conduta. Eu não evito pensar no que eu sinto. E não nego achando que se eu não vejo, não existe. O fato é que você vê e que eu existo. Que nós existimos. Você não tem como fugir disso por mais que queira. Adultos encaram os fatos e não fogem deles e os escondem como enfeites feios atrás da estante. Compreende? Você fica aí, bancando o superior, mas está só ignorando um elefante no meio da sala.
- Se é o que você pensa, eu não posso fazer nada.
- Típico de você isso não é?
- O que é típico?
- Se acomodar e aceitar as coisas.
- Que é que eu devo fazer?
- Faça o que quiser. Mas saiba que enquanto você não mudar as coisas, as coisas vão continuar como estão. Por mais ridículo que isso soe.
- Não entendo o propósito desse sermão.
- Tudo o que eu quis, na nossa última conversa, foi que você percebesse seu erro, assumisse, e, por fim, se abrisse a escancarasse seus sentimentos. Queria que fosse claro e que me mostrasse o que você sabia que eu precisava ver.
- Você estava na minha frente, racional e irredutível.
- Entendeu o problema? Se as chances são pequenas de um resultado favorável você foge. E, por isso, você vai ter um certo trabalho pra ser feliz. A diferença entre nós é que eu entendi isso e estou, de fato, passo a passo, me recuperando. Ao contrário de você, que maqueia tudo com um sorrisinho.
- E você, com seu excesso de empenho, essa timidez, esses muitos amigos, sua família super protetora, sua racionalidade? Você vai ser feliz? Você que não consegue sequer dar um beijo em público? Tem certeza?
- Não sei. A gente encontra o que procura. Existe sempre um outro alguém. Meu táxi chegou.

E ele, calado, chorou.

** Essa conversa ainda não aconteceu. Ainda.

7 recados:

Anônimo disse...

(deculpa caso tenha ido muitas vezes a mesma mensagem, eu nao estava conseguindo deixar o recado)

Anônimo disse...

Então, a mensagem anterior simplesmente não foi... acho que porque estava grande...

Eu só disse que encontrei o seu blog, como há um mês, e que leio e gosto de seus textos.

E que lendo esses dois últimos me fez pensar nas músicas de uma cantora chamada Sara Bareilles, que talvez você goste.

(manacm@gmail.com)

Anônimo disse...

*iria gostar...



(sei que é meio chato ter três comentários de uma mesma pessoa... desculpe...)

Lais de Queiroz disse...

Táxi é coisa de gente chiqueee!!!


=D

Lais de Queiroz disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lais de Queiroz disse...

o comentário excluído é meu... foi duas vezes!

Rosa disse...

ai, céci. de verdade? a gente simplesmente superestima. bem provável são incapazes de falar tão bem assim.


eles


sequer falarão.

beijo, linda.